Senna (2024)
Senna Eterno
Ayrton Senna foi um ícone individual de um esporte que não era o mais midiático no Brasil, o futebol e sua legião de torcedores rivais entre as mais diversas equipes, se uniam para torcer para o brasileiro, que misturava um carisma fantástico, uma excelente oratória em um atleta que realmente tinha uma personalidade muito forte, que tinha algo para dizer, que não precisava ser comandado por uma equipe de marketing ou pisar em ovos igual acontece no mundo das celebridades e influencers de hoje em dia, Ayrton era alguém que buscava, em todos os sentidos, o aprimoramento, o sucesso, em qualquer circunstâncias, como o mesmo já disse, o segundo lugar é o primeiro dos perdedores, alguém com uma mentalidade dessa, deveria ser completamente 8 ou 80, tanto na sua vida profissional quanto na pessoal, o desejo de vencer, de ser o melhor, ultrapassava todas e quaisquer barreiras, o interessante que esse tipo de sentimento, poderia ser nocivo para o público, porém, a aura que Senna transmitia era tão diferente, que essa pujança pela vitória, se transformou naquilo que o consagrou como um dos maiores, se não o maior, atleta da história do Brasil.
Após essa introdução necessária para o contexto da figura do retratado, vamos falar sobre a série, aliás, que sai 30 anos após a morte de Ayrton, sendo o primeiro trabalho dramatizado sobre ele, o por que dá demora? É complexo, porém darei o resumo, basicamente, após a morte, a irmã dele, Viviane, assume todas as negociações na parte de merchandising e distribuição de mídia, a mesma, conhecida por ser altamente protetora em relação a polêmicas vindouras de certos pontos, especialmente sobre relacionamentos e polêmicas sobre sua personalidade, vetando projetos que envolviam, de certo modo, nomes grandes da indústria cinematográfica, como Silvester Stallone e Antônio Bandeiras, que ficou envolvido no projeto durante muito tempo, com a Warner Bros, empresa que comprou os direitos para uma adaptação desistindo do projeto por alguns motivos, sendo a rigidez de Viviane e o fracasso de alguns filmes sobre automobilismo no início dos anos 2000, fatores motivadores para o engavetamento do projeto, que não foi totalmente engavetado, já que em 2010, o cineasta e documentarista Asif Capadia, realiza um excelente documentário sobre a vida e a morte de Ayrton Senna, o qual foi um sucesso de bilheteria e de crítica. Com isso, temos o projeto em questão, protagonizado por Gabriel Leone e dirigido por Vicente Amorim, projeto esse que inicialmente foi roteirizado como um filme, mas ganhou uma minissérie em 6 episódios, graças a complexidade do projeto.
Dito isso, devo dizer que a mini série é um dos melhores trabalhos sobre automobilismo e esporte em geral que vi nos últimos anos, é assombroso como uma produção brasileira, conseguiu executar, num grau tão elevado e com tanta riqueza de detalhe algo desse gênero, o que mostra e reflete o ótimo momento que a cena audiovisual vem vivendo no país, pra começar isso tudo, devo elogiar a interpretação de seu protagonista, Gabriel Leone como Senna demostra de forma sublime, tanto nos momentos pessoais e profissionais o que era o ícone e a pessoa Ayrton Senna da Silva, num ótimo trabalho de caracterização, que apesar do ator ser diferente do retratado, consegue através da maquiagem e do figurino, transmitir visualmente o personagem, além da atuação de Leone, o qual já tinha dito na minha crítica de “Ferrari”, filme de Michael Mann de 2023, o qual o mesmo faz uma participação, como ele pode se tornar, em pouco tempo, um dos melhores atores de sua geração, a escolha de papéis e projetos parecem sempre bem acertadas, além do talento nato que o mesmo tem.
Vemos um Senna de uma maneira diferente do que as reportagens sobre a vida dele costumam mostrar, até por que temos aspectos de sua vida pessoal sendo retratado, em especial, o conflito entre seu lado de querer se tornar uma lenda e seus relacionamentos, se com os familiares eram até que bem tranquilos, apesar de algumas restrições no início, enquanto seu pai e mãe, o seu “Maurao” interpretado de forma bem competente por Marco Ricca e a dona “Zaza”, interpretada muito bem também por Susana Ribeiro, ainda não acreditavam que ele iria vingar, mas a grande fonte de conflito são as relações amorosas de Ayrton, o qual a mini série é corajosa e não tem medo de mostrar o lado mais galanteador do corredor, considero coragem por que a irmã de Senna da uma preservação a imagem dele como se fosse um santo celibato quase, com uma única namorada (já vamos chegar lá, eu sei que vocês querem que eu fale de Xuxa x Galisteu), sendo que não era assim, Senna, era um ser humano, com falhas e acertos, uma pena que, suas falhas de caráter, algo que é impossível se desviar sendo um campeão de Fórmula 1, num esporte onde você precisa as vezes pisar no seu companheiro de equipe ou desafiante ao título, para ganhar alguma coisa e essas falhas são mostradas de forma muito superficial, aliás, a série é superficial em praticamente tudo o que procura abordar, culpo isso ao tempo que a série cobre da vida de seu retratado, seus 34 anos, em uma coletânea de melhores momentos, intercalados a sua vida pessoal, o que apresenta seu protagonista para uma nova geração, numa corrida pelo tempo, mostrando um pouco de sua vida particular, o qual o roteiro tem um ritmo muito intenso, pouco explicado, porém as interpretações estão muito boas, com Leone carregando a série.
Quando eu lembrar da série, lembrarei da interpretação magistral de Leone, de como o elenco de apoio está bem, apesar de alguns ter pouquíssimo tempo, porém, uma palavra me vêem a mente, detalhes, essa palavra resume todo trabalha de direção, direção de arte e fotografia da série, temos aqui, diversas figuras da fórmula 1, que se você conhece mais a fundo, irá lembrar muito bem pelo belo trabalho de caracterização e maquiagem, em alguns momentos, como o baile em Mônaco, onde aparecem diversos nomes lendários da F1, como Alain Prost, Nikki Lauda, Nelson Piquet, James Hunt, Ron Dennis e vários outros, num momento que parece a reunião dos “Vingadores” da Marvel, de tanta galera reunida, outra coisa que chama muito atenção são as corridas, de forma geral, são muito bem dirigidas, fotografadas e editadas, num trabalho técnico que mistura computação gráfica e elementos práticos, auxiliada pelos detalhes, todos os carros são idênticos a vida real, com patrocinadores, design e som muito parecidos com o que temos nas transmissões daquela época, essa parte é um grande ponto positivo da série, que a coloca em frente de debate com produções vindas dos grandes centros.
Porém, isso tudo não vem com pontos negativos, como já falei, o roteiro é apresado, as vezes confuso em sua temática, dando voltas e fazendo repetições desnecessárias, certos detalhes são mostrados com muito tempo de tela e alguns, com pouquíssimo tempo de tela, como é o caso da Adriane Galisteu interpretada por Julia Foti, gente, vou ter que realmente virar página de fofoca aqui, escalam uma atriz pra fazer alguém que foi icônica pra vida do Senna, pra ela ter 1 MINUTO DE TELA, isso que você leu, eles tem uma interação frente a frente, numa cena que parece que ele achou uma garota qualquer numa balada e depois por ligação, só isso... É decepcionante que uma série que, retrata que a principal falha de seu protagonista era deixar as pessoas que amava de fora de sua vida e como isso, de uma certa forma, o deixou isolado, sozinho, em diversos momentos, cometer esse mesmo erro, seria tranquilo, caso não tivéssemos um episódio inteiro mostrando a Lilian Vasconcelos, a primeira esposa do Ayrton, interpretada por Alice Wegmann, muito bem sinal, considero que é melhor das 3, por que ela interpretada uma personagem cheia de nuances e temos outro episódio inteiro mostrando a Xuxa, a rainha dos baixinhos, interpretada por Pamela Tomé, que faz um ótimo trabalho com o que lhe é dado aqui, já que ela representa alguém que tem o modo de vida parecido com o de Senna, o que causa o conflito, com até uma Marlene Mattos da shoppe na série, seguindo esse trope, você esperaria que Galisteu tivesse o mesmo tratamento? Só que não, pois ela é jogada de escanteio, o que considero um desrespeito primeiro com a figura pública e depois com a atriz da série, os dedos de Viviane Senna são sentidos de forma cavalar nessa decisão, já que por ela, sequer a nota de rodapé que ela é aqui seria retratada.
O que considero mais nocivo na série, é a maneira como ela é escrita, muita coisa vem em formato de exposição barata e óbvia, tudo isso sendo encapsulado na personagem Laura Harrison, uma repórter fictícia, que vamos falar a verdade, pouco agrega a trama além de exposição, com tanto repórteres brasileiros icônicos que acompanharam a carreira do Senna, entre eles Roberto Cabrini, que leu o texto informando sua morte, o próprio Galvão Bueno, Marcos Ochoa e entre outros repórteres, a personagem quase onisciente e onipresente é confusa e pessimamente construída, horas sendo aliada, horas sendo inimiga, nunca há nuance, nunca há um meio termo, motivo esse por que não sabemos o que a repórter quer de verdade, isso é levado a outros para todos os personagens da trama, graça ao tratamento bem “chapa branca” dada a série.
Senna é uma série que retrata o homem e a lenda de Ayrton Senna da Silva, um piloto que era o principal astro dos domingos brasileiros, capaz de mobilizar milhões de pessoas para a tv, isso não apenas no Brasil, mas no mundo, seu legado nunca será esquecido, o que temos aqui é uma mini série de ótima qualidade, que se aproveita dos seus pontos fortes com maestria, porém, nos pontos negativos, a série desmorona, com um roteiro apressado e uma história que precisa de uma certa pesquisa e conhecimento prévio, porém, os pontos fortes são bem mais presentes, não é perfeita, mas é uma ótima série pra se assistir e celebrar a vida de um dos maiores brasileiros de todos os tempos.
Nota: 8/10
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