Protótipo de algo grandioso
Kentaro Miura foi um gênio, o já falecido criador de Berserk, uma das obras mais cultuadas do gênero Seinen, que é um tipo mais adulto de manga, mudou com sua obra aquilo que a gente chama de dark fantasy, mas como diria Lawrence da Arabia, grandes coisas começam pequenas.
Em seu primeiro arco, um mini arco na verdade, temos o protótipo do que seria o personagem Guts, um espadachim solitário em busca de vingança contra um grupo chamado apenas de “Mao de Deus” e de seus seguidores, conhecidos como apóstolos, que apesar do termo bíblico, nada mais são do que demônios, frutos dos desejos e prazeres desenfreados da humanidade, que possuem nenhuma moralidade e buscam, a todo custo, o sofrimento alheio, aqui nesse prologo (que na cronologicamente, esta depois dos eventos que veremos em “Era de Ouro”, que é o arco seguinte) vemos Guts caçando os apóstolos rumo de encontrar os membros desse oculto grupo, a Mão de Deus, em três histórias diferentes, quase como uma série de contos, o primeiro e mais breve, sendo contra uma apóstola que seduz as vítimas, onde temos uma cena que é até discutida pela comunidade de Berserk, onde vemos o espadachim descendo a espada de carne numa apostola, é bem contra o personagem que veremos depois, sua paixão por Casca, que transcende até desejos de personagens fisicamente atraentes como vemos em Farnese no arco “Torre da Convicção” em diante, que literalmente se joga em cima dele é pouco crível em questão de continuidade, mas denota o quanto Miura ainda não sabia onde que história iria após aquilo, isso é normal, acontece quando o criador prototipa sua narrativa, aliás, antes sequer desse arco ser publicado, já tínhamos um protótipo escrito do que seria a Era de Ouro, com uma Grifith mulher e coisas bem aleatórias que posso contar um dia em alguma publicação, mas se atentando ao arco, após esse início, Guts parte em busca de Koka, outro apóstolo, que tem como principal característica o sadismo e de se alimentar de humanos, é um vilão unidimensional, mas serve para nós mostrar a crueldade dos apóstolos, é nessa caçada que o protagonista conhece um dos seus melhores companheiros durante toda a história, Pukki, que pra quem não leu e assistiu Sherek, é muito parecido com que acontece aqui, temos o elfo que serve como um grilo falante e um protagonista de poucas palavras, até um pouco vilanesco, parece realmente que estamos vendo a construção de um vilão, só que os personagens que Guts enfrentam são tão cruéis, que é a única coisa que faz a gente lembrar que Guts é na verdade um anti herói, o mundo de Berserk é ferrado, é o pior que há na humanidade materializado, o próprio personagem é extremamente niilista nesse sentido, pra ele o que importa é exterminar esses arquidemonios, para ele coisas como Deus, sorte ou destino não existem, ele traça o seu próprio destino, isso é melhor elaborado depois, mas aqui temos uma fagulha disso.
Após enfrentar e matar Koka, Guts segue em direção a uma floresta onde vemos o que fato a marca do sacrifício faz, algo que será melhor explicado nos arcos seguintes, ela é a um grande “GPS” que faz qualquer tipo de espírito maligno ou demônios localizarem o personagem, com ele se tornando um grande mal agouro, um ícone do azar e desolação, Guts não consegue sequer dormir sem ter paz, algo que marca que lê a história, ele é perturbado constantemente, óbvio que seu estado mental não seria de uma pessoa sã.
Quando Guts passa pela floresta e chega em direção a uma grande fortaleza, onde vemos pessoas consideradas “hereges” sendo enforcadas e guilhotinadas, temos a melhor história do arco, onde Guts enfrenta o Barão, um apóstolo que entregou sua alma para a Mão de Deus, através do Behelit, um colar com formato de crânio deformado que é a chave para invocar os 5 membros da Mão de Deus, o mais interessante de se destacar é a história do anão Vargas, que era servo do Barão, porém viu sua esposa e filho serem devorados pelo mesmo, numa prova de sadismo e ainda arranca parte do rosto e uma perna de Vargas, estabelecendo conexões com coisas que veremos futuramente com o próprio Guts, a vingança que o personagem carrega é profunda e vemos o protagonista, que não parece demonstrar nenhum sinal de emoção, começar lentamente a desmoronar, a resolução da história de fato dita tudo que veremos a partir daqui, especialmente depois do arco da Era de Ouro, o qual falarei algum dia.
O Espadachim Negro é o começo de algo grandioso, Miura cria um universo tão rico que prepara o leitor pro que vem a seguir, os temas estão ali, o protagonista parece um rascunho, porém, as histórias contidas nesse arco demonstram o quanto os apóstolos e a Mão de Deus são uma ameaça absurda, como se todo o mundo de Berserk fosse um grande inferno.
Nota: 10/10
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